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Crítica: Encanto

Encanto é um filme animado dos gêneros fantasia e musical. É o primeiro filme de animação produzido pela Disney centrado em personagens latinos, sendo o 60º longa-metragem do lendário estúdio, que fez sua estreia nas telonas com Branca de Neve e os Sete Anões, em 1937. Além do lançamento ser um marco comemorativo para a empresa, Encanto traz uma representatividade muito especial, pois a personagem principal, Mirabel Madrigal, é a primeira protagonista feminina da Disney a usar óculos. Parece algo bobo, mas são anos afins que muitas meninas não se viram como princesas pois usavam óculos e se viam diferentes dos padrões impostos. Vejo isso como mais um passo rumo à quebra dos padrões de imagem impostos ao longo dos anos.

O enredo conta a história da família Madrigal, narrado pela Mirabel, que é a única da família que não possui magia. No dia de ganhar seu dom, ainda bem pequena, ela não o recebeu, sem nenhuma explicação aparente. Isso a faz se sentir excluída da família por muito tempo. Em um esforço para compensar a falta de um dom, ela faz tudo o que é preciso para que a vejam como alguém importante, mesmo sem poderes. A todo custo, Mirabel se mostra otimista e que o fato de não ter poderes não a abala, mas todos os seus esforços de tentar fazer tudo pela família, mesmo quando não solicitada, só mostra o quanto gostaria de ter poderes e se sentir parte de verdade da família, que em sua maioria, sim, a exclui por ser “a diferentona”. A meu ver, ela é aquele tipo de pessoa que simplesmente nasceu diferente do restante de sua família ou do que é considerado normal pela sociedade, mas ainda quer ser amada e admirada, por quem realmente é. Mirabel visivelmente teme ser banida da família, como seu tio foi, e que nem pode ter o nome pronunciado, por isso ela não expõe seus verdadeiros pensamentos e não demonstra quem realmente é, uma pessoa normal, que só quer ser ela mesma e está “de boa” com isso. No fim, dá para perceber o quanto é cansativo e frustrante viver para agradar aos outros, tentando ser quem você não é.

Quanto aos poderes dessa família, tudo começou pela avó de Mirabel, a Abuela Alma Madrigal, que ao presenciar a morte de seu amado, em uma fuga do vilarejo onde moravam que foi atacado, eles são seguidos e seu marido se sacrifica para que os demais sobrevivam, deixando a mulher e os três filhos sozinhos. Sua avó, ao ver o amado partindo, cria uma espécie de vela mística, surgindo uma nova vila em volta de si e dos sobreviventes da antiga vila. Aparentemente os poderes vem dessa vela, mas não fica claro se o lugar que fez isso ou se foi a própria Abuela, acho que a ideia foi deixar em aberto para a conclusão dos espectadores. Esses poderes acabam ajudando a vila, de alguma forma, para que ela seja prospera e segura. Essa carga fica toda para a família, já que somente eles têm poderes. Assim, todos acabam contribuindo de alguma forma para cuidar e deixar a vila segura.

No meu ponto de vista, a Abuela representa todas as mulheres que têm que assumir o papel de mãe e pai, de proteger e lutar pelo bem da família, muitas vezes se deixando de lado. Essas pessoas ficam tão cegas em ter o controle e proteger a todos, que não veem que estão cometendo um grande erro, ter domínio e controle de tudo, pois é impossível equilibrar todos os pratos sozinha. Essa imagem de mulher guerreira tem que ser quebrada, geralmente por trás de uma mulher que se é considerada uma guerreira, existe uma pessoa exausta, física e mentalmente. Ela também acaba sobrecarregando a seus descendentes, por ter carregado esse fardo por tanto tempo, quer filhos e netos iguais, que assumam o seu papel quando partir. O resultado disso são pessoas imperfeitas, tentando ser perfeitas, prestes a desmoronar.

Vale até uma breve análise de algumas mulheres da família, que foram de grande destaque na história e boa parte de toda a carga da rotina diária cai sobre elas. A mãe que é uma figura de mulher forte e auxiliadora, tem a obrigação de refletir isso em suas filhas, caso contrário é julgada como não tendo pulso forte o suficiente ou que não deu bons exemplos. Julieta Madrigal, filha de Alma e mãe de Mirabel, Isabela e Luisa, tem o dom de curar pessoas por meio da culinária, ela é a típica filha mais velha que fica com a responsabilidade de sempre preparar a comida e deixar a cozinha arrumada. Parece absurdo, mas é muito comum se atribuir serviços para cada filha mulher em uma família grande e, geralmente, a mais velha é a que cozinha e acaba ficando mais tempo distante da família. Pode-se ver que Julieta quase não aparece no meio da família, pois está sempre ocupada na cozinha. Sua sobrinha Dolores Madrigal fica indo na cozinha, atualizá-la das últimas notícias, e ela tem o dom do quê? Audição aprimorada. Acha mesmo que é à toa?

A outra filha de Alma é a Peppa Madrigal, que tem como dom o controle o clima, que muda de acordo com seu humor. Se ela está aborrecida, chove e venta muito, estado em que mais a vemos em todo filme, tentando se controlar para que a tempestade não chegue com tudo. Peppa é a pessoa que vive lidando com os problemas que a família arruma, ou as brigas familiares de convívio. Ela fica tentando deixar a todos em harmonia, mas por não aguentar mais tanta intriga e picuinhas, está prestes a explodir com todos, a qualquer momento, chegando a ser ríspida com a maioria das pessoas, pois a paciência já acabou faz tempo. Mas, ela respira fundo para não perder a cabeça de vez, pois também é mais uma das que precisam se mostrar forte e pronta para tudo.

Enfim, daria para escrever muitas teorias ainda sobre Encanto e sobre cada um de seus personagens, mas no geral esse é um filme que fala sobre famílias desajustadas. Cada um pode identificar um membro de sua família e até a si mesmo neste filme. Isso só mostra que não existe família perfeita, até porque ninguém é perfeito e está tudo bem com isso.

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